domingo, 3 de outubro de 2010

A imprensa na 1ª República

Publicamos os apontamentos gentilmente cedidos pelo Dr. Artur Coimbra que, segundo as suas palavras na nota final, "serviram de base à breve conferência que tive a honra de fazer no Teatro-Cinema de Fafe, na manhã do passado sábado, no âmbito do Seminário sobre a Imprensa Local e Regional, promovido pelo Gabinete de Imprensa de Guimarães."

A IMPRENSA NA 1ª REPÚBLICA

"A imprensa em Fafe é um projecto que arranca em 1883, com o jornal O Rubro (que não chegou a ser distribuído), mas que denunciava já a tendência republicana, que é patente na acção do inolvidável jornalista João Crisóstomo, o pioneiro do jornalismo em Fafe (fundador também dos Bombeiros Voluntários, em 1890) e que está ligado à criação de jornais locais como o referido Rubro, quando contava apenas 19 anos de idade, o Calvário da Granja, em 1886, a Gazeta de Fafe, em 1889 e o conhecido O Desforço, em 1892, que se assume autenticamente republicano a partir do ano seguinte.
Por altura dos finais do século XIX, Fafe era um município com cerca de 25 000 habitantes. Um município eminentemente rural, iletrado, cristão, monárquico. Por essa altura, aparecem as primeiras grandes indústrias, a Fábrica do Bugio (1873), e a Companhia de Fiação e Tecidos de Fafe (1886). Surge a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Fafe (1890). Com o apoio dos capitais brasileiros, é construído o Jardim do Calvário, de características românticas (1892). Os brasileiros de torna viagem moldam a Vila, com os seus palacetes, os seus investimentos, as suas obras sociais e filantrópicas (Hospital, asilos), a sua intervenção na vida social, politica, económica e cultural local. Até final do século, surge mais de uma dezena de títulos da imprensa local, de curtíssima duração.
Até à proclamação da República, existiram em Fafe cerca de duas dezenas de títulos, divididos pelas duas tendências monárquicas da altura. Uns eram apaniguados do Partido Progressista e outros do Regenerador, que se revezavam na governação nacional e na local. Combatiam-se com o maior vigor e a maior sem cerimónia. Ferozmente, tantas vezes.
Em 5 de Outubro de 1910, quando o município albergava cerca de 30 000 habitantes e a Vila à volta de 5000 habitantes, existiam em Fafe três grandes jornais locais, O Desforço (que duraria até cerca do ano de 2000), o Jornal de Fafe (fundado em 1891), O Povo de Fafe (na sua primeira série), fundado em 1907, a Propaganda Católica (fundada em 1908), bem como uma publicação anual única na região, o Almanach de Fafe, fundado em 1909, de periodicidade anual, repositório de notícias, curiosidades, adágios, imagens, previsões para cada ano, conselhos para a agricultura, etc.
Durante a década e meia (1910-1926) que durou a 1ª República, foram fundadas duas dezenas de títulos, incluindo dois jornais generalistas de referência, ambos lançados em 1912, A Ideia, de tendência monárquica, e Justiça de Fafe, republicano. De destacar, neste período, a criação de um bom número de jornais humorísticos, com textos em prosa e verso e caricaturas de crítica às personagens, políticas e costumes locais. Normalmente “quinzenários humorísticos e literários”, podem referir-se títulos divertidos como A Troça, O Tagarela, Pica Alegre, O Espadarte, O Folião, A Gritaria, A Tesoura ou O Rambóia, alguns deles com mais que uma versão. Curiosamente, em 1919, ano da Monarquia do Norte e da fugaz restauração monárquica, regista-se o aparecimento de sete títulos de imprensa local…
Neste período, manteve-se também fortíssima a luta política entre republicanos e monárquicos, expressa através dos seus órgãos de imprensa, quer por artigos de autores fafenses, quer por transcrições de artigos dos jornais nacionais que fundamentavam os ideários dos periódicos locais.
Nestes anos, impuseram-se jornalistas locais de diversas tendências, sobretudo da área republicana, como Artur Pinto Bastos, Paulino da Cunha, José Manuel Teixeira e Castro e Adolfo Coimbra de Medeiros.
Ao longo de década e meia, foram reportando as obras emblemáticas que se iam sucedendo no concelho, de que são paradigmas a inauguração dos Paços do Concelho, em 1913; a inauguração da Central Hidroeléctrica de Santa Rita, em 5 de Outubro de 1914, uma obra considerada “o esplendor do republicanismo”; a abertura do Mercado do Peixe, em 1922; a inauguração do Teatro-Cinema de Fafe, em 10 de Janeiro de1924 ou a existência da Escola Primária Superior, entre os anos de 1919 e de 1926. Ou as movimentações políticas surgidas em Fafe, como as incursões monárquicas, nos anos de 1911 e 1912 e a instauração da Monarquia do Norte, restauração monárquica vigente durante 25 dias, entre 19 de Janeiro e 13 de Fevereiro de 1919 e que se reflectiu nas instituições locais, desde a autarquia à Misericórdia e Hospital, entre outras.
O conteúdo da maioria dos jornais locais neste período integra, basicamente, o editorial, textos de opinião, a transcrição de opiniões de jornais de referência e de notícias de âmbito nacional, naturalmente informações e curiosidades da vida local, notícias das reuniões da Câmara, espectáculos de teatro e cinema, folhetins romanescos por episódios (uma tradição que vinha já do século XIX), a indicação do preço dos géneros alimentares na feira semanal, notícias familiares: nascimentos (delivrances), casamentos (enlaces) e óbitos (defunções), o movimento familiar referindo as partidas e chegadas para e das praias e, enfim, a publicidade comercial, por exemplo, a paquetes que levavam para o Brasil, a enciclopédias para as famílias, dicionários, remédios, mercearias, entre muitos outros produtos e publicidade institucional, como anúncios oficiais, editais, etc.
Naturalmente, que durante este lapso temporal, os jornais digladiaram-se, sendo notórias e violentas algumas disputas entre jornalistas da nossa praça. Dava um bom apontamento a transcrição de algumas das polémicas mais acesas lançadas nas páginas da imprensa periódica fafense, com uma linguagem que nos faz corar ainda hoje, passado quase um século."
Artur Coimbra
Créditos fotográficos Manuel Meira

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